terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Um estranho para mim

E o que eu deveria ter dito?
Que eu já não me importava mais?
Que o amor tinha ido embora e deixado uma casca vazia?
Não importa o quanto me beije, você é um estranho para mim
Não importa quantas flores você me traga você é um estranho para mim
Não importa se você pensa em mim antes de dormir, você é um estranho para mim

Nunca fui boa em construir relações. Construía pontes, muralhas, mas nunca casas ou parques. Até você chegar. Eu quis estar com você. Eu quis construir algo com você. E assim o fizemos. Uma casa torta, devida a minha inabilidade, simples, mas nossa. Era razoavelmente confortável, apesar dos terremotos que às vezes a sacudiam. E toda noite, antes de dormir, fechávamos as portas e as janelas, para que a água não entrasse. Mas um dia você esqueceu de trancar a porta, e a água inundou nossa pequena casa, destruindo os móveis, arrebentando as vigas e desmanchando as paredes. Eu buscava por ar, mas estava me afogando. Mas você nos tirou dali. Eu fiquei assustada e com medo, querendo construir muralhas ao redor de mim e me proteger daquelas águas revoltas que me machucavam tanto. Você pediu, implorou por um recomeço. E assim nós fizemos. Lentamente, dia após dia, erguíamos nossa casa novamente. Mas eu tinha medo. Quado a chuva se aproximava, eu me apressava em tentar fechas as aberturas, pois eu não queria que a água entrasse. Pedaços de roupa, chicletes, grampos e fios de cabelo. Costura daqui, prende ali, tampa acolá. Eu só não queria deixar a água entrar. Você me chamava de louca, gritava para que eu enfrentasse meu medo. Mas eu não podia. Eu não queria. Eu queria que você me pegasse no colo, me abraçasse forte, enterrasse sua face em meus cabelos e dissesse um milhão de vezes que não iria sair dali, que iria me proteger. Mas você não o fez. Os estragos que a chuva causava, eu tinha que consertar, sozinha. Subir no telhado, cimentar o porão, remendar as cortinas. E um dia a chuva veio novamente. Eu estava assustada, com medo, e vi a água entrar por um furinho minúsculo na parede. Eu gritei por você. Você me disse para parar com aquilo. E quando a água chegou em meus tornozelos, parei. Sentei-me no canto da sala, e deixei as águas me banharem. Senti a fúria descontrolada, senti o amargo sabor da derrota e me senti livre. Naquela noite, eu me afoguei, nas águas de minha própria alma. Você não moveu um músculo para me salvar. Um longo, longo tempo depois, você encontrou meu corpo, frio e inerte. Você me trouxe flores, para ver se eu sorria. Pobre alma perdida, nunca te disseram que as flores são para os que ainda vivem?

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